A guerra cambial
out 24, 2010
Sem perspectivas de expansão dos seus mercados internos, os países desenvolvidos deverão continuar emitindo moeda para tornar seu câmbio mais competitivo e exportar seus produtos aos países emergentes. Buscando se defender, esses países impõem restrições à penetração dos produtos dos países desenvolvidos via medidas de proteção cambial. Instaurou-se assim, mais uma fase da crise iniciada em 2008, a guerra cambial, filhote da guerra comercial e da estagnação dos países desenvolvidos.
O excesso de liquidez gerado pela crise americana derreteu o dólar perante as outras moedas e a tendência é continuar esse processo. Os Estados Unidos pressionam a China para valorizar o yuan. Querem exportar mais para lá e importar menos dos chineses. A China não descolará o yuan do dólar, para não perder sua competitividade externa e não correr o risco de desemprego com o fechamento de fábricas voltadas para exportação.
Para o secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Timothy Geithner, os avanços conseguidos até agora poderão ser solapados se os países superavitários no comércio exterior, como a China, impedirem a valorização de suas moedas e não basearem seu crescimento especialmente no mercado interno.
Para Keynes, desequilibrados eram tanto os superavitários – hoje, os grandes são Alemanha, Japão e China – quanto os deficitários, hoje os Estados Unidos. Todos deveriam ter obrigações de reequilíbrio. Os Estados Unidos, maiores responsáveis pela crise atual, agora querem impor uma desvalorização competitiva que resulte na valorização da moeda dos superavitários e dos emergentes.
Para o ministro Guido Mantega, o problema cambial é devido à lenta retomada do crescimento nos países avançados. Eles tomaram medidas para reativar suas economias, mas não tiveram sucesso. Diante disso, aumentaram os estímulos monetários, emitindo mais dinheiro resultando em maior desvalorização de suas moedas.
Chuva de dólares. Face ao número crescente do desemprego nos Estados Unidos, o Federal Reserve (Fed, o banco central americano), em sua última reunião, deixou claro que está prestes a executar mais uma vez a política de “afrouxamento quantitativo” despejando centenas de bilhões de dólares na compra de títulos do Tesouro de longo prazo. Caso isso ocorra, a guerra cambial será intensificada, pois a desvalorização do dólar obrigará os outros bancos centrais a intervir para rebaixar suas próprias moedas. Com isso, revela-se a postura dos Estados Unidos de focar seus interesses e não levar em conta suas obrigações de defender a estabilidade da moeda mundial – o dólar.
Como o euro sofreu forte desvalorização devido à crise grega, a guerra cambial ainda não atingiu sua plenitude nos países da área do euro. A valorização dessa moeda, após os impactos da crise grega, já está dificultando as exportações desses países, que sofrem estagnação econômica e problemas fiscais agudos. Esta guerra já atinge em cheio os PIIGs, países mais frágeis da zona do euro, cujas defesas são limitadas. A poderosa Alemanha, ainda vai bem.
Já a Tailândia, no dia 13 último fixou um imposto de 15% sobre o lucro de capital e rendimentos por juros derivados de investimento estrangeiro na dívida soberana, para se defender da invasão de dólares.
Cada país adota uma estratégia para enfrentar a guerra cambial e não vejo possibilidade de sucesso de contê-la por acordos em reuniões dos fóruns internacionais. No dia 10 último, a assembleia do FMI, convocada para buscar alguma solução na questão cambial, não deu em nada. Nos dias 11 e 12 de novembro ocorrerá a reunião do G-20. A questão é difícil, porque há uma enorme liquidez mundial, enquanto as taxas de juros dos países desenvolvidos estão praticamente em zero. Esse dinheiro fica louco para achar uma “boquinha”, que só os emergentes estão podendo dar, sobretudo o Brasil, com suas altas taxas de juros.
Estratégia. No caso brasileiro, a tentativa de combate à apreciação do real é através da compra de dólares pelo Banco Central (BC) em valor maior do que o fluxo líquido de dólares que sobra para o País. Isso fomentou o crescimento das posições “vendidas” dos bancos no mercado, o que os leva a apreciar o real. Parece que a estratégia do governo está mudando, pois o diferencial entre juros internos e externos têm um custo de carregamento das reservas internacionais estimado em R$ 45 bilhões neste ano (1,5% do PIB).
Nesse sentido, o governo praticamente anulou a vantagem que os investidores estrangeiros tinham na compra dos títulos de renda fixa ao elevar sucessivamente o IOF, que passou de 4% para 6% sobre o ingresso de dólares para aplicações nos mercados financeiros e de capital, e de 0,38% para 6% o IOF sobre as operações de câmbio para constituição de garantias em bolsas de valores, de mercadorias e futuros. São medidas acertadas e de quebra trazem recursos fiscais ao País.
O governo sabe que essas medidas podem não ser suficientes e dispõe de um arsenal de medidas, especialmente no campo da regulamentação de operações cambiais. O sucesso internacional obtido pelo Brasil no enfrentamento da crise, com a economia em franca expansão com um milhão de empregos gerados em 2009 e 2,2 milhões neste ano até setembro, com inflação sob controle, chamou a atenção dos investidores estrangeiros, que veem excelente oportunidade de aportarem recursos no País. Se por um lado é bom, pois podem contribuir para o desenvolvimento, por outro, neste cenário de guerra cambial, esses investimentos podem agravar a valorização do real.
Diante disso, o governo poderá tirar proveito de sua posição privilegiada e impor condições aos ingressos externos que desejam aqui aportar. As elevações do IOF vão nesta direção e poderão atingir outras operações cambiais em sequência. No limite a quarentena para a permanência dos investimentos externos poderá ser usada.
O problema cambial, no entanto, poderá continuar, pois novo tsunami de dólares deverá ser despejado pelos Estados Unidos, Inglaterra, Japão e até pelos países da zona do euro. Não dá para fechar as portas da economia impedindo as importações e mudando a política econômica. O momento exige seriedade e responsabilidade, para não perder o equilíbrio obtido pelo País na conjugação bem sucedida do binômio crescimento e controle inflacionário.
A política atual é virtuosa, pois ativou a base da pirâmide social via elevação do salário mínimo, programas sociais de redistribuição de renda, crédito consignado, dentre outros, cujo carro chefe do desenvolvimento econômico e social é a geração de empregos pela ampliação da classe média, cujo potencial ainda está longe de ser alcançado. A política do pé no freio não demonstrou êxito.
Quanto ao controle inflacionário, creio que será facilitado pela posição do País na produção de alimentos e pelo cenário externo de forte concorrência internacional que pode, inclusive, levar à redução do nível de preços de bens e serviços em escala global. É interessante destacar que a inflação no País vem caindo e com ela a Selic. Sob a égide do regime de câmbio flutuante e de metas de inflação, a inflação média anual entre 1999 e 2002 foi de 8,8% e a Selic média anual 19,8%. No período de 2007 a 2010 esses níveis baixaram respectivamente para 4,9% e 11,1%. Isso ocorreu sem prejuízo do crescimento econômico que nessa comparação passou de 2,1% ao ano para 4,7%, apesar da crise. Essa tendência não pode parar.
Controles. Quanto à proteção das empresas brasileiras face à guerra cambial devem-se considerar duas situações: a) A China e alguns países do leste asiático, cujo custo da mão de obra é muito inferior à média mundial e brasileira, apresentam preços quase imbatíveis; b) Os demais países, onde podemos ter posição competitiva. Em ambos os casos algum nível de proteção às empresas locais pode-se tornar necessário. Talvez o governo possa criar barreiras no caso de concorrência desleal e/ou limitações de importação a países que imponham limitações à exportação de nossos produtos. Isso se faz via alíquotas ou quotas de importação.
O produto estrangeiro tem contra si na concorrência com o nacional os custos de transporte e despacho alfandegário no país de origem, custos de frete e seguro internacionais e no Brasil, imposto de importação e custos de desembaraço alfandegário. Esses custos em seu conjunto constituem a desvantagem competitiva do produto estrangeiro com o nosso e, muitas vezes são elevados. Assim, é importante caracterizar a situação de cada setor para evitar efeitos negativos para as empresas ou para os consumidores.
O governo tem em mãos as armas necessárias ao enfrentamento dos problemas cambiais e seus reflexos no comércio exterior. O que importa é não brecar a economia, o que somente agravaria o problema concorrencial e social do País.
Fonte: O Estado de São Paulo
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