Sob pressão internacional, os Estados Unidos estudam restringir sua própria capacidade de impor tarifa adicional nas importações que consideram ter preços deslealmente baixos.
Sob pressão internacional, os Estados Unidos estudam restringir sua própria capacidade de impor tarifa adicional nas importações que consideram ter preços deslealmente baixos, o que pode resultar em economia de milhões de dólares para exportadores brasileiros.
O Departamento de Comércio americano abriu discretamente uma consulta pública, no fim do ano, para colocar fim a uma polêmica prática de calcular dumping conhecida como "zeroing", que já foi julgada ilegal diversas vezes pela Organização Mundial do Comércio (OMC) e que tem afetado sistematicamente produtos siderúrgicos brasileiros e outros.
O Brasil foi o país a ganhar a disputa mais recente na OMC contra os EUA por causa desse cálculo, no contencioso do suco de laranja, no final do ano. Os juízes mandaram os americanos mudarem a prática, aceitando o argumentando brasileiro de que isso resultava numa sobretaxa que sequer deveria existir, causando prejuízos e incertezas para empresas exportadoras.
Pelo "zeroing", os EUA inflam as sobretaxas calculadas em processos administrativos de antidumping. Para determinar a taxa de dumping de um produto, os americanos examinam o preço de várias importações. Mas, à diferença de todos os outros países, os EUA excluem do cálculo os produtos importados com valor superior à cotação do produto no mercado doméstico ("valor normal"), impedindo que os preços desses produtos compensem aqueles com preços abaixo do "valor normal". Ao ignorar (ou zerar, daí a origem do termo) os dados mais desfavoráveis, os EUA obtêm valores mais elevados nas tarifas antidumping a serem aplicadas.
Por exemplo, para um produto com "valor normal" de 100, os EUA levam em conta apenas as importações com preços de 80 e ignoraram aquelas com preço de 120. Dessa forma, não fazem a média de preços e inflam a margem de dumping. A tarifa adicional aplicada ao produto importado é portanto mais elevada do que se calculada pelo método de outros países.
Os EUA já foram condenados por isso em disputas na OMC com a União Europeia, Japão, México e agora Brasil, acusados de violar as regras internacionais. A pressão fez Washington acabar o cálculo de "zeroing" na abertura de processos antidumping, mas não nas revisões administrativas, ou seja, quando alguns anos depois se examina se o preço do produto continua sendo deslealmente baixo. Agora, a proposta americana é importante, porque as revisões acabam por eternizar a sobretaxa.
O objetivo de Washington é encerrar longas disputas que resultaram inclusive em retaliações contra produtos americanos. Mas a União Europeia reclamou ontem que a proposta não era suficientemente ampla, porque só será aplicada nos casos futuros e não cortará as sobretaxas impostas a várias empresas europeias desde 2007.
Especialistas em Genebra acreditam, no entanto, que a proposta, se de fato implementada por Washington, tem o potencial para diminuir as sobretaxas já aplicadas. Se a taxa for baixa, pode ocorrer de o produto submetido a dumping deixar de ser punido.
Além disso, fica claro que o Brasil se posicionou bem ao denunciar os EUA na OMC no caso do suco de laranja. Pode acontecer de Washington fazer uma coisa para os países que abriram litígio (Brasil, UE, Japão e México) e ter postura diferente para os outros. Por exemplo, acabar com o "zeroing" para os produtos envolvidos nas disputas e só fazer o mesmo nos casos futuros de revisão administrativa para os outros países.
"A proposta americana é inacreditável, porque o tema é superpolitizado nos EUA, e o governo Obama está tendo coragem de propor a mudança", disse uma alta fonte na cena comercial da OMC. A explicação é que os americanos entenderam que não dá para continuar sendo julgados violadores das regras por tanto tempo. E, no período em que desrespeitaram as regras, os americanos ganharam tempo para que suas indústrias enfrentem a concorrência externa.
A proposta ajuda também a negociação da Rodada doha de liberalização comercial, na tentativa de ser concluída este ano. O "zeroing" era um nó importante na discussão de antidumping, e seu fim terá efeito pelo menos nesse capitulo da negociação global.
O Departamento de Comércio aguarda reações do setor privado até o final do mes, para então decidir pelo enterro do "zeroing". Mas a sinalização do governo Obama foi apreciada de maneira geral.
Fonte: Valor Econômico (6/1/2011)
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