É que as exportações têm cada vez mais dificuldades para competir. Os parceiros em geral, e não é necessário nem falar em China, vendem mais barato que o Brasil.
O que vai acontecer se as duas principais negociações de comércio nas quais o Brasil está engajado - a Rodada Doha, na Organização Mundial do Comércio (OMC), e o acordo birregional Mercosul-União Europeia - chegarem realmente à fase final de barganhas nos próximos meses, como está previsto informalmente por países participantes?
A questão assume novos contornos quando as indicações são de que a nova presidente, Dilma Rousseff, será bem menos flexível em termos de abertura do mercado brasileiro. Pela situação em que o país se encontra, o novo governo tem pouquíssima capacidade para se comprometer com liberalização adicional.
Na Rodada Doha, a ideia é de fechar o pacote de liberalização agrícola, industrial e de serviços em meados do ano e assinar o acordo entre 15 e 17 de dezembro, em Genebra. O que já está negociado vai abrir mais o mercado brasileiro também para a China, o terror de vários setores nacionais. Mas, para o acerto final, os EUA exigem acesso maior no mercado brasileiro para seus produtos industriais e serviços. E os americanos, como outros desenvolvidos, se recusam a fazer a contrapartida na área agrícola.
Na negociação Mercosul-UE, que daria preferência às empresas dos dois blocos e ampliaria os negócios numa zona de 700 milhões de consumidores, o plano é também de tentar o acordo por volta de agosto. E o lado europeu exige muita concessão do bloco do Cone Sul, para convencer boa parte de seus membros, como a França, a dar compensação aos produtos agrícolas do Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai.
Ou seja, se chegar o momento da troca de concessões finais proximamente, será num cenário complicado para Dilma Rousseff, a começar pelo seu capital político menor para lidar com sindicatos e grupos empresariais.
A Força Sindical, segunda maior central operária do país, já avisou que a lua-de-mel de quatro anos com o governo federal está se esgotando e a relação com a nova presidente será outra. No setor privado, está todo mundo puxando o freio, com a rara exceção do setor agrícola. O cenário é bem diferente do apoio de dois anos atrás aos acordos comerciais.
É que as exportações têm cada vez mais dificuldades para competir. Os parceiros em geral, e não é necessário nem falar em China, vendem mais barato que o Brasil. E a valorização do real nos últimos anos dizimou completamente a eficácia das tarifas de importação no Brasil para proteger a indústria doméstica, conforme o país declarou na OMC. A enxurrada de produtos estrangeiros tornou o país o campeão global da alta de importações este ano. Em termos efetivos, o câmbio já abriu o mercado brasileiro num nível provavelmente maior do que seria possível pela negociação global de liberalização na OMC.
Uma indagação é sobre o ritmo que o governo dará no enfrentamento de uma série de problemas que ficaram evidenciados desde os tempos de Fernando Henrique Cardoso, quando a economia foi estabilizada e o tamanho do "custo Brasil" pôde ser melhor mensurado, e que tampouco Luiz Inácio Lula da Silva conseguiu equacionar.
Para ter economia mais eficiente, mais produtiva e mais inserida no mercado internacional, o país precisa melhorar rapidamente a competitividade, sem depender tanto do câmbio.
A falta de competitividade tem a ver com infraestrutura - estradas, portos, aeroportos, linhas ferroviárias etc -, distorções tributárias, altos custos trabalhistas. Mas tem a ver também com mentalidade. Persiste no Brasil a ideia de se produzir para o mercado interno, que está ficando rico ou mais remediado, e exportar o que sobrar. Só que isso não dá certo sempre, sobretudo na área agrícola, porque o mercado interno só absorve uma parte da produção.
Ouve-se queixas corriqueiras no setor privado e de ex-membros do governo em relação ao Ministério da Fazenda, no centro das decisões econômicas. A Fazenda demorou, mas se conscientizou de que abertura indiscriminada do mercado não estava dando certo e que setores industriais precisavam de maior proteção. Mas o entusiasmo sobre um plano integrado de exportação é outra coisa.
Por exemplo, não tem porque o produto brasileiro ser taxado no país e depois no mercado de destino. As regras da OMC dão margem para o governo resolver de vez o problema. A OMC permite ao governo desonerar as taxas internas, como ICMS e IPI, quando o produto é exportado. O que não pode é desonerar o imposto de renda ou o imposto de contribuição sindical. Mas falta uma decisão firme do governo para facilitar o reembolso de crédito tributário.
Enquanto isso, produtos brasileiros podem perder fatias no mercado internacional. A UE, se não terminar a negociação com o Mercosul, vai em todo caso assinar acordos, concluir ou acelerar negociações no primeiro semestre com Peru, Colômbia, América Central, Índia, Canadá e Ucrânia. Todos têm algum produto agrícola que poderão exportar em bases preferenciais para a Europa, e os brasileiros continuarão submetidos a tarifas mais altas.
Enquanto persistir a ideia de que produzir para o mercado interno resolve tudo, as soluções para atenuar os limites da infraestrutura, custos trabalhistas e outros vão continuar a ser adotadas num ritmo que não atende as urgências do país.
*Assis Moreira é correspondente em Genebra.
Fonte: Valor Econômico (4/1/2011)
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